Na hora de comprar um carro há quem ainda coloque de lado o tema segurança e dê mais atenção aos acessórios que tornam o automóvel mais “bacana” de se ver. Há até mesmo alguns fabricantes que, em suas unidades localizadas no hemisfério sul do planeta, continuam insistindo em entregar para o consumidor local carros menos seguros do que os que entregam para os compradores de mercados mais maduros e exigentes.
Foi pensando na segurança, na defesa da vida de quem se locomove dentro de um carro, que surgiram os institutos independentes de segurança veicular, inicialmente nos Estados Unidos (NHTSA – National Highway Traffic Safety Administration) e na Europa EuroNCAP (European New Car Assessment Programme). São organizações independentes, rigorosamente fiscalizados e auditados, que tem por função avaliar e divulgar os níveis de segurança dos carros que chegam ao mercado.
Após muita polêmica e tentativas de retardar a criação de um instituto como o EuroNCAP na América Latina, finalmente, há sete anos surgiu “como iniciativa” o Latin NCAP, que em 2014 transformou-se em associação, no âmbito de uma entidade jurídica. De forma objetiva, o que o Latin NCAP faz é avaliar a segurança da versão mais básica dos modelos de automóveis disponíveis no mercado.
A divulgação dos resultados dos testes realizados pelo Latin NCap têm sido discutida e colocada em dúvidas por alguns fabricantes, especialmente quando um de seus carros recebe nota baixa em algum quesito. Essas críticas são muitas vezes respaldadas até por alguns analistas do setor. Como argumento dizem que os critérios utilizados para os mercados europeus e norte-americanos são mais exigentes e que aqui na América do Sul a “exigência deveria ser mais branda, seguindo apenas o que determinam as leis”. Até parece que a vida dos sul-americanos vale menos do que a dos europeus.
O fato é que a inclusão de itens de segurança nos carros representa aumento no custo de produção, do qual os fabricantes fogem como o diabo foge da cruz. É por essa razão que para os airbags e freios ABS se tornarem itens de série no Brasil foi preciso o congresso aprovar lei assim determinando. É por isso também que até hoje existem fabricantes que não incluem o ponto de fixação de cadeirinhas de bebês, o Isofix, em seus carros.
Para entender o que é e como funciona o LatinNcap, entrevistamos o Secretário Geral da associação, Alejandro Furas sobre questões como a dos “carros patrocinados” e o novo protocolo 16, que impõe mais rigor às avaliações realizadas nos automóveis produzidos e comercializados na América do Sul e Caribe, área de abrangência da entidade.
AUTOFATO: O que representa exatamente avaliações "patrocinadas pela montadora"? Em que consiste esse patrocínio? Será que isso não torna menos idôneos os resultados de um instituto como o Latin NCAP, que se apresenta como independente?
ALEJANDRO FURAS: Latin NCAP gostaria de avaliar todos os modelos de América Latina, mas isso não e possível devido à nossa limitação de fundos econômicos. Nossos recursos permitem pagar poucos modelos por ano, que são os que o Latin NCAP escolhe. Para que isso não se torne um fator limitante ao nosso trabalho, da mesma forma que o Euro NCAP e outros programas NCAP do mundo, o Latin NCAP permite a qualquer organização, governo ou montadora assumir o custo do teste de qualquer modelo em qualquer momento. A isso se chama “patrocinar”.
O processo de teste para os modelos escolhidos pelo Latin NCAP começa pela escolha do modelo, detectando-se então a versão mais básica de equipamento de segurança disponível no mercado, assim como localizar o país onde é vendido. Providenciamos então a compra do carro em uma concessionária em forma anônima, como um consumidor comum. Após a entrega o carro é selado enviado para a Alemanha onde os testes e medições são realizados. O processo utilizado em um carro patrocinado é o mesmo, sendo que o custo dos carros, transporte e testes são pagos pelo patrocinador, seja ele um governo, organização ou montadora. Logo após a compra o carro é selado, assim permanecendo até chegar ao centro de testes na Alemanha. Existem alguns casos em que os modelos patrocinados, devido a demoras na entrega de modelos, são escolhidos e retirados diretamente do parque de distribuição da montadora. Nesse caso são sempre unidades que já saíram da linha de montagem, passaram por todas as etapas de produção e apenas aguardam para serem coletados e levados à concessionária ou cliente final. Da mesma forma, o carro escolhido no pátio da montadora é selado e retirado do lote por uma pessoa do Latin NCAP. Há casos em que se não se adotarmos esse procedimento a demora para se conseguir o modelo pode chegar a até seis meses e somando o traslado e testes, a finalização das avaliações e publicação do resultado, poderia demorar nove ou 10 meses.
O protocolo assinado para os modelos patrocinados estabelece que em qualquer situação, o Latin NCAP pode fazer a auditoria do modelo. Ou seja, o mesmo teste realizado com um veículo patrocinado pode ser repetido sem o patrocínio, com outro modelo idêntico adquirido pelo Latin NCAP em uma concessionaria. Se o resultado é pior ao teste original a informação da redução no número de estrelas e do resultado é atualizada e divulgada aos consumidores.
As montadoras que se propõe a patrocinar seus carros estão cientes dessas regras e como para nenhuma delas seria boa publicidade ter o primeiro teste com melhor resultado do que o feito pelo teste auditado, elas, com certeza, não se arriscariam a ter o veículo patrocinado diferente do que entrega ao consumidor.
Além das montadoras, há casos de veículos patrocinados por governos ou outras associações?
As montadoras, com certeza, patrocinam modelos que desejam que sejam conhecidos pelos bons resultados nos testes de segurança. Mas na mesma linha, qualquer organização, inclusive governos, pode patrocinar. Até agora nenhum dos carros patrocinados foram de governos ou de outras organizações, à exceção do próprio Latin NCAP.
A limitação dos fundos do Latin NCAP poderia ser eliminada se apenas um governo nacional ou estadual obrigasse a que todos os carros (novos) vendidos sejam avaliados pelo Latin NCAP, sem que os níveis de estrelas apurados se tornem um impedimento à venda. Esta decisão não tem custo algum para o governo que o aplique. É precise lembrar que o Latin NCAP é uma ONG – Organização Não Governamental -, formada somente por organizações de consumidores, automóveis clubes, seguradoras e ONGs de segurança viária e de vítimas do trânsito. O Latin NCAP conseguiu impulsar melhorias na indústria automotiva mais rapidamente que o próprio governo por meio de normas e leis. É fácil imaginar o que aconteceria se todos os carros novos fossem avaliados pelo Latin NCAP e as estrelas obtidas informadas a os consumidores.
O que é o protocolo 2016, utilizado nos testes de segurança para alguns modelos?
O Latin NCAP incrementa sempre as exigências de seus testes. Há dois aspectos da segurança: a primária (conhecida como ativa) e a secundaria (conhecida como passiva). O Latin NCAP tem que combinar os dois, e desde o início a base do cálculo de estrelas são os ferimentos que são medidos nos bonecos (dummies) de crash test (teste de impacto). Os bonecos são equipamentos muito complexos e técnicos, que permitem medir com precisão o grau dos ferimentos resultantes em um crash test (teste de impacto). A avaliação é complementada com uma inspeção técnica que avalia o grau dos ferimentos em passageiros de diferentes tamanhos, em diferentes posições de condução e variações de ponto de impacto, assim como velocidades.
Em adultos, de acordo aos ferimentos medidos e a inspeção técnica, os pontos máximos são 16 para teste frontal e 16 pontos para teste lateral (este somente desde 2016).
No início, de 2010 a 2012, o Latin NCAP fazia apenas o teste de batida frontal a 64 km/h. Para a nota máxima de cinco estrelas eram necessários um mínimo de 14 pontos de 16.
Na segunda fase, de 2013 a 2015, o Latin NCAP também exigia somente o teste de batida frontal a 64 km/h para todos os carros. Mas para obter as cinco estrelas eram necessários: 14 pontos de 16 no frontal, freios ABS, aviso de uso de cinto nos dois bancos dianteiros e teste lateral de acordo a norma UN95 da ONU.
De 2016 até 2019 todos os carros avaliados devem ser avaliados em teste frontal e lateral. Se o resultado for ferimentos com risco de vida na batida frontal e/ou lateral o resultado automático é de zero estrelas.
Para três estrelas é necessário pelo menos 16 pontos e freios ABS em toda a gama.
Para quatro estrelas, pelo menos 22 pontos, e ESC (controle eletrônico de estabilidade) escalável.
Para cinco estrelas pelo menos 27 pontos, ESC escalável, teste de poste (lateral) com resultado de sucesso.
Em crianças, de acordo com ferimentos, a inspeção das cadeirinhas e a capacidade do carro para instalar com segurança as cadeirinhas, os pontos máximos são 49.
De 2010 até 2014 o Latin NCap utilizou dummies tipo P (tecnologia antiga). Os ferimentos registrados nos s dummies eram avaliados com pontos, e as cadeirinhas eram as existentes no mercado.
De 2015 até pelo menos 2019 estaremos usando dummies Q (tecnologia estado da arte – de última geração - no mundo). Os ferimentos avaliados nos dummies chegam ao máximo de 24 pontos. São também avaliados sete modelos de cadeirinhas em oferta no mercado regional. Se o carro permite boa instalação com essas cadeirinhas recebe o maior número de pontos possíveis (12 pontos). Finalmente o carro é avaliado na capacidade de oferecer boa segurança para as crianças. Leia-se Isofix, cintos três pontos, desativação do airbag frontal direito. Finalmente as cadeirinhas que as montadoras podem recomendar para o teste são somente as disponíveis nos três maiores mercados da região em lojas ou concessionarias e que tem o melhor desempenho no teste de cadeirinhas que o Latin NCAP faz junto com o PROTESTE e Fundação Gonzalo Rodriguez, desde 2014. Os testes com as cadeirinhas são realizados de forma neutra, ou seja, fora do carro.
Acesse o link a seguir para conhecer todos os resultados já divulgados pelo Latin NCAP