CAMPINAS (SP) Que tal gastar um terço do que desembolsa hoje com o combustível e manutenção de seu carro? Isso sem reduzir as distâncias que percorre e sem poluir a atmosfera. É o que acontece com os ainda poucos que utilizam veículo elétrico - VE na mobilidade do dia a dia. Essa é uma das afirmações do projeto Emotive, desenvolvido pela CPFL Energia, grupo privado do setor elétrico brasileiro, em Campinas (SP). O estudo mostrou que o valor do quilômetro rodado de um automóvel comum a combustão é de aproximadamente R$ 0,30. No carro elétrico, esse custo é de R$ 0,11, o que corresponde a um terço do gasto com um carro convencional, fruto do combustível mais barato e da menor despesa com manutenção.
O tema mobilidade elétrica é polêmico. No Brasil, a indústria automobilística sai pela tangente quando o assunto eletrificação de automóveis é colocado em pauta. No seminário organizado pela CPFL em junho para apresentar e debater os resultados do projeto P&D Emotive, o único representante do setor automotivo presente era Adalberto Maluf, da BYD, grupo chinês que monta no Brasil ônibus elétricos e tem um furgão elétrico na frota de veículos elétricos da empresa de energia de Campinas. Maluf não economizou palavras para afirmar que “um dos maiores limitadores ao desenvolvimento do mercado de veículos elétricos no Brasil é a Anfavea”, a associação dos fabricantes de veículos. Para ele, “o Brasil só recebe sucatas industriais”.
Para impulsionar o mercado de VEs e desenvolver uma nova cadeia de valor no Brasil, a CPFL Energia propõe a criação de uma estratégia nacional em torno da mobilidade elétrica. “Com a expansão da mobilidade elétrica, novos negócios poderão ser desenvolvidos para atender à demanda dos consumidores por uma mobilidade sustentável em um contexto de crescente restrição das emissões de poluentes e estrangulamento das grandes cidades”, disse Renato Povia, gerente de Inovação e Transformação da CPFL.
Os novos serviços gerados pela expansão da mobilidade elétrica, do ponto de vista do cliente são, segundo Povia, os de operadores da infraestrutura de recarga; instaladores de eletropostos; Vehicle to Grid (V2G) - devolução da energia dos veículos elétrico para a rede ou residências; car sharing (compartilhamento de veículos); táxis elétricos; second life para baterias (reutilização) e seguros para veículos elétricos.
Na ótica da indústria automotiva, as oportunidades para o Brasil são o desenvolvimento de uma indústria de ônibus elétricos e híbridos movidos a etanol; comercialização de veículos elétricos de baixa velocidade; desenvolvimento de motor híbrido flexpower; além do próprio serviço de compartilhamento de veículos elétricos.
Para que a mobilidade elétrica atinja um patamar consistente o País depende ainda de mecanismos para vencer os entraves da tecnologia, como o alto custo de aquisição do veículo elétrico, causado pela ausência de produção nacional e tributação, e a infraestrutura de recarga incipiente. Para isso é necessário haver estímulo financeiro do mercado e avanços tecnológicos, concluiu Povia.
Em um cenário conservador, sem levar em consideração nenhum tipo de incentivo, os carros elétricos puros e os híbridos plugin podem alcançar 3,8% da frota nacional de veículos do País em 2030, representando 7,6% das vendas anuais totais de automóveis. Essa participação depende do nível de estímulo que os governos municipais, estaduais e federal concederem para incentivar a mobilidade elétrica no País.
“A proposta da CPFL é um modelo de negócio aberto para a infraestrutura de recarga ao cliente, o que viabilizaria a expansão do número de eletropostos pelo País e estimularia o aumento de usuários de VEs”, disse o diretor de Inovação e Estratégia da CPFL Energia, Rafael Lazzaretti. Nesse modelo qualquer empreendedor poderia instalar um posto de recarga e cobrar valores de mercado pela eletricidade consumida pelo cliente. A energia consumida no eletroposto seria paga pelo empreendedor à distribuidora, com base em tarifas definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), explicou.
Sistema elétrico está preparado
O setor elétrico brasileiro está preparado para absorver o crescimento da demanda por energia elétrica com a expansão do número de veículos elétricos em operação no País, informou. Os testes realizados mostram que, considerando uma taxa de 5% de penetração de VEs na frota total, 80% das redes de distribuição não apresentaram nenhum problema. Ou seja, o setor não precisaria de adequações ou investimentos adicionais para atender à nova demanda.
Para efeito de comparação, apenas Noruega e Holanda superam, atualmente, os 5% de participação de veículos elétricos em suas frotas. Outros quatro países - Suécia, França, Reino Unido e China - possuem penetração um pouco superior a 1%.
No aspecto da oferta de energia, as projeções da CPFL apontam que o uso desta tecnologia ampliaria entre 0,6% e 1,6% o consumo total de energia em 2030, considerando uma frota de carros elétricos variando entre 4 milhões e 10,1 milhões de unidades.
A expansão dos veículos elétricos traz benefícios para a sociedade e para meio ambiente, por serem mais econômicos e com emissão zero de poluentes, além de diminuir a dependência do País dos derivados de petróleo na matriz de transporte. A inserção da tecnologia poderia reduzir em até 10% o consumo total de gasolina automotiva até 2030, o equivalente a um volume de 10 bilhões de litros do combustível, conclui o estudo Emotive.
Outro benefício seria a redução de 10% da emissão de CO2 no País. Com a expansão dos veículos elétricos, a energia elétrica pode alcançar uma participação de 2,6% na matriz de transportes até 2030, totalizando consumo de 756 GWh.
O estudo Emotive representou investimento de R$ 17 milhões entre 2013 e 2018. É, segundo Lazaretti, uma das mais completas avaliações dos impactos da mobilidade elétrica para o setor elétrico brasileiro. Com esse investimento a região Metropolitana de Campinas foi transformada em um “Laboratório Real de Mobilidade Elétrica”, com a instalação de 10 eletropostos públicos (sendo dois em rodovias na altura de Jundiaí) e a circulação de 16 carros elétricos. A instalação desses eletropostos consolidou o sistema rodoviário entre Campinas/Jundiaí/São Paulo como o primeiro corredor intermunicipal para VEs, com pontos de recarga em ambos os sentidos. O projeto Emotive contou com a participação da Unicamp, do CPqD e da empresa Daimon, responsáveis pelos vários estudos que fazem parte do projeto, e parceiros que utilizaram os veículos elétricos em suas frotas operacionais, como Natura, 3M, Hertz, Instituto CCR, Bosch e Sanasa Campinas.
Rede de eletropostos é maior desafio
A construção de uma rede adequada de eletropostos é talvez o maior desafio para a consolidação da mobilidade elétrica. Para se ter uma ideia 75% dos eletropostos – EP de recarga rápidas estão na China. Na Alemanha, existem hoje 51.600 e a meta é chegar a 1 milhão em 2020. A ABVE – Associação Brasileira de Veículos Elétricos não tem dados precisos sobre o número de EPs no Brasil, mas estima entre 130 e 150. Informa que Itaipu está instalando 10 eletropostos na rodovia Foz do Iguaçu-Paranaguá. A BWM, única marca que já oferece para o mercado brasileiro um carro elétrico plug-in, o BMW i3, tem planos de instalar uma eletrovia na Rodovia Dutra (que liga São Paulo ao Rio de Janeiro).
Analistas do setor dizem que a frota global de veículos verdes deve triplicar até 2030. Segundo a Agência Internacional de Energia, o número de modelos sem combustão deve subir para mais de 13 milhões de unidades até o fim da década. Em 2030, as vendas devem alcançar um crescimento anual de 24%.
A venda mundial destes modelos registrou um aumento expressivo, com mais de 1,1 milhão de veículos. Esta impulsão só foi possível graças à China, que teve um aumento de 72%, em comparação a 2016. O país asiático está na frente do mundo em relação aos veículos elétricos, seguido por Estados Unidos, Noruega e outros países europeus.
O Brasil ainda engatinha nesse campo, mas registrou números animadores em um cenário de incertezas. Segundo dados da ABVE, os cinco primeiros meses de 2018 já superaram a venda de veículos verdes registrada em todo o ano de 2016 (1090). Até o mês de maio, já foram para as ruas 1.562 modelos. O ritmo de vendas é 65% maior do que o mesmo período do ano passado, que fechou com o maior número já registrado no Brasil, 3.296.
“Se projetarmos a tendência de vendas dos primeiros cinco meses, de 65% acima do mesmo período de 2017, chegaremos a 5.438 VEs este ano. Isto significa quintuplicar as vendas em três anos. Se o governo der os incentivos corretos, o comprador e a indústria responderão de imediato”, acredita Ricardo Guggisberg, presidente da ABVE. A expectativa do setor agora é pela aprovação do IPI reduzido e da definição do projeto Rota 2030, para a indústria automobilística.
Motor a combustão, nunca mais
A psicóloga Cristina Maria Ramos Alves é, em Belo Horizonte, uma das poucas proprietárias de um BMW iE, comprado há três anos. Em conversa com nossa reportagem ela disse que não conseguiria voltar a usar um carro com motor a combustão. Seus carros anteriores foram um Mini e depois um Mercedes-Benz Classe A, trocado pelo iE. Cristina confirma que hoje gasta 1/3 do que gastava antes por quilômetro rodado e está impressionada com o baixo valor do custo anual de manutenção e revisão de R$ 1.200 no primeiro ano e R$ 1.400 no segundo. Sua preocupação é com o fim, após oito anos, da garantia das baterias do carro. “Me disseram que se houver necessidade de trocar todas, o custo será cerca de R$ 80 mil”, disse. Quando comprou o carro a BMW instalou um EP em sua garagem, que de tempos em tempos demanda manutenção, quando vem um técnico de São Paulo para a realização do serviço, que não custa barato (cerca de R$ 4 mil). Além do EP de sua residência, Cristina utiliza os três únicos EPs que existem na cidade: no Posto Belvedere e nas vagas especiais do BH Shopping e do Pátio Savassi. Esses EPs nada cobram pela recarga da energia, disse.